Menina

Ela estava ali e me olhava com intimidade como se soubesse dos meus tormentos, como se sentisse toda a minha dor e soubesse que eu retornaria para descumprir muitas promessas que lhe fiz. 

Abraçava os joelhos e esperava pelo dia em que se tornaria eu. As lágrimas eram medo e revolta. Deitava sobre a grama para observar as nuvens por horas, consciente de que eu sentiria muita saudade da terra úmida sob os cabelos cacheados. 

O seu sorriso só brilhava ao ler um bom livro ou contemplar uma bela pintura. Como eu poderia entender sua paixão pelo desconhecido, sua curiosidade? Sim ela precisava fujir pela arte.

Sento-me ao lado, ela nem me olha mais, está muito ocupada. Quer voar, quer cantar, quer pintar e quer saber sobre os mistérios do mundo. Quer entender quem é deus, pois as fábulas da igreja já não lhe convencem mais.

Reparo que ergue o vestido de bolinhas vermelhas e brinca sozinha de fazer sexo, com medo do desconhecido, medo de se machucar, e descobre os orgasmos com prazer em ser secreto e proibido. Não tem a quem dedicar seu amor nestes momentos, nenhum coleguinha de escola, nenhuma fantasia, apenas a sensação de estar consigo mesma.

Ela reconhece seu abandono e finge não se importar. Mais tarde vai querer vingar a todos, vai sentir raiva da vida, mas pouco importa naquele momento, somente o céu azul, a grama gelada sob suas coxas macias. Ela não precisa de ninguém para ter prazer.
  
No seu caderno de escola estão todos os fracassos, ela não se importa com o presente, ela não quer viver no presente. Escreve sobre seus sonhos, mergulha neles e os torna reais. Corre de todos os apegos, nem vê ou ouve, precisa sair dos oito anos. Mais tarde vai querer se superar com violência, pagar o preço de cada conquista, e eu sei que ela não se importa mesmo com o preço.

Dorme pequena criança, que eu também preciso dormir, voltar ao passado sempre me faz muito bem, mas este orgasmo acabou comigo.