segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Feminino



































Entre seus mais sagrados delírios estava presente aquele perfume, sentia o odor da traição desde a entrada da casa. Era a dor na cabeça "cefaléia maldita". Faltava oxigênio, precisava oxigênio ou cairia alí mesmo na escuridão que conhecia tanto. Além de estar com seu marido precisava usar o perfume sabendo que ela não suportava.
Voltou para a rua e sentou-se na calçada, respirando fundo e rapidamente:

- Nojenta! podia me avisar de outra forma.

Mas o caos estava armado, precisava reagir. Respirar só pela boca afinal aquilo devia ser metade psicológico.
Inspirou fundo, como se fosse a última vez antes de entrar na "câmara de gás". Prometeu a si mesma que sairia correndo logo que avistasse os dois corpos que conhecia bem, unidos. O que fazer depois? O raciocínio falhava nesta hora e a emoção ruminava suas forças.

Mas mal sabia ela do que o destino lhe aprontaria, e de sua capacidade de enfrentar o desfaio da traição... "Os demônios diriam amém". Nas suas fantasias tudo se apresentava muito familiar e de soluções mais claras, em comparação com a madrugada real. Poderia ser um sonho, em breve acordaria suando e com as pernas paralisadas, como era tão comum devido aos seus problemas nervosos.
"louco e traidor, como ousa fazer isso em nossa própria cama?".

Faria escândalos, reviveria a mágoa pelos próximos anos. Naquela noite seria capaz de suicídio, talvez por não se julgar mais necessária e importante. Pobre menina, tão criança, tão triste e frustrada, iria se arrastar pela vida nos anos que lhe restavam. Devia reconhecer a culpa, era tudo sua sugestão, sentia no ar o perfume, que entrava em seu organismo tirando a harmonia e fazendo giros pela mente.
"Meu castigo pelas coisas que nem cometi, condenação para os crimes que nem pratiquei... Logo eu um patife indefeso!".

A passos lentos aproximava-se do mausoléu como ave ferida que cai das alturas ainda com vontade de liberdade para louvar a sua melancolia. Que amor é esse que sofre diante da felicidade do amado e que morre de pavor e revolta diante do seu prazer? Caminha jovem egoísta para pôr-se de juiz contra a natureza tão humana. 

Deveria louvar este paraíso que já provou tantas vezes!

Iria encontrá-la tranquila, feliz com o homem que prometera fidelidade a outra mulher. "Cadela! se entregará a homens comprometidos como fez sua mãe. Filha da puta! O tempo diminuiu a capacidade mental para tramar planos perfeitos ou a tecnologia na comunicação os desmoronou? Mentirosa de inteligência curta! Mas porque tão bela... Quase perfeita".
Precisou umas baforadas de ar. O cheiro não estava ali: Estratégia! Passou o perfume no portão. "Ela sabia tudo o que estava acontecendo e queria testar minha reação, não fui traída!"

Quase pulou e dançou de alegria,, andando pela sala-de-estar em direção ao quarto.
"Que ciúmes inúteis, conheço os dois tão bem, jamais me trairiam, gostam muito de mim".
Cruel infantilidade, doce ignorância, proteção inconsciente para o grande choque. Mulher que tem todos os sentimentos e reações, Não sabes tu da violência das paixões ocultas sob a máscara de fiel amizade? A proximidade dos corpos esconde os objetivos do ato.

Diante da porta hesitou. Sua mente sabia o que o coração não queria acreditar. "Covarde coração, volta a realizar a sua tarefa de bombear o sangue pelo corpo em vez de se meter com funções cerebrais".

Com força parecida ao exército de Hitler em 1945, abriu a pesada porta de madeira decorada por suas próprias mãos.
As lágrimas abandonavam o desenrolar da emoção. Os punhos cerrados soltavam-se trêmulos. O ódio vestia-se festivo no auge da mania. O rosto pálido pelo cheiro tornava-se vermelho, mostrando o cume da vida. A mente revelava só a si mesma estar participando de um teatro, a segunda sena não estava escrita mas faria ser inesquecível não só para si.

O marido estava apavorado, boca aberta de espanto, talvez o único consciente do fato. "Esposa imprevisível! por quê lhe sorria? devia ter encontrado mulher mais adulta..."

A amante estava em pé, abotoando os últimos botões da blusa de tricô e parecia muito calma na situação, plenamente orientada. Aparentava até saber que a mulher diante da porta - traída - lhe tomaria os lábios com um beijo tão profundo que nunca haviam partilhado desde que iniciaram seus encontros, tão maravilhoso que apesar da "noite mal dormida" sentia as pernas bambas de excitação.

Criancinha inconsciente, você conhece o amor?